Eu, Eu Mesma e a Crise (Depressiva)

23 novembro, 2009
É sempre de repente, quase gozado. Eu estou lendo um livro ou fazendo qualquer outra coisa banal, quando sinto sua presença a me espiar dum canto qualquer. Não me causa espanto, afinal já há anos que ela me acompanha. Talvez uma espécie de aborrecimento, como quando termina um mês de férias.

Eu finjo indiferença, com a inocente esperança de que ela se vá, mas logo ouço seus pés se escorregando para mais perto de mim. Num lapso de coragem, eu olho seu rosto e encaro seus olhos negros como quem aceita uma sentença. Sem pestanejar, ela tira um par de algemas do bolso e acorrenta seu pulso ao meu. E em seguida, como um trabalhador enfadado que acaba de bater seu ponto, ela se senta preguiçosamente e se põe a fumar um cigarro fedorento.

Como uma raio, uma raiva percorre meu corpo e eu me revolto, me debato, jogo qualquer objeto na direção dela. Grito que saia. Essa cena se forma na minha mente como um sonho, um desejo, mas eu não me movo.

Um grande nó se forma na minha garganta eu não consigo gritar como gostaria e expulsá-la. Nem tampouco dar um pontapé. Eu apenas observo a figura despreocupada e esboço alguma lágrima querendo correr o rosto. O máximo que sou capaz é morder o lábio inferior em sinal de ira. Nossos olhares se encontram e se desafiam durante alguns segundos. Ela para de pitar o cigarro e baixa os olhos, mas se contenta apenas em dar de ombros e dizer baixinho, fingindo piedade: “Você não tem remédio, querida.”

E, tirando um monte de baralhos velhos da manga: “Que tal Truco?”

//A todas as pessoas que comentaram nos últimos posts e que não foram respondidas: Eu estou sem internet em casa. Portanto, talvez eu demore a responder os recados, mas prometo não demorar MUITO. ^^

O Segredo

08 novembro, 2009


O sol escaldante de janeiro se refletia no vidro redondo, fazendo a máquina de chicletes parecer algo divino, cintilante. Ana observava a bolinha vermelha - sua favorita - bem perto da saída apertada. Segurava a moeda de um real, acariciando o desenho da esfinge e imaginando o doce chiclete de framboesa sendo esmagado impiedosamente por seus molares e destilando, por mal, todo o sabor guardado na redoma colorida de açucar. Era uma especie de ritual, que aprendera há alguns dias: O pensamento positivo direcionado. "É preciso imaginar a coisa acontecendo", diziam as pessoas do tal filme.

Vagarosamente estendeu o braço direito e colocou a moeda na pequena abertura, com os olhos apertados pelo esforço de pensar forte. "Click!", a moeda chegara a seu destino. "Plof!", a pequena esfera se depositou na palma da mão de Ana. Olhos abrindo devagar... Bolinha amarela!

Magia Negra

02 novembro, 2009



A festa de Haloween fora o máximo, muita bebida, fantasias inusitadas e música alta. Era quase meia noite quando Hellen resolveu ir para casa. Como prometera aos pais, chegaria mais cedo, pois o local da balada era, propositalmente, bastante ermo e próximo a uma grande floresta de carvalhos. Ela mesma concordava que era assustador e perigoso.

Como a festa ainda não havia terminado, ela chamou um táxi por telefone e esperou sozinha ao lado de fora do casarão barulhento. Depois de 20 minutos com frio e com a paciência já esgotada, ela resolveu seguir a pé. A estrada não ficava tão longe e, chegando lá poderia pegar uma carona ou um ônibus. Helen só precisava passar alguns metros dentro da floresta e isso a atemorizava de algum modo. Já ouvira várias lendas sobre a noite de Haloween, inclusive sobre bruxas e espíritos malignos. “Besteira!”, pensou e foi andando devagar, tentando não fazer muito barulho, seus olhos arregalados vigiavam de uma lado para outro, ela tremia de medo sem perceber.

Faltava pouco... Ela respirou aliviada ao avistar, alguns metros adiante, luzes de faróis dos carros que passavam na estrada: já estava quase saindo da floresta. Foi quando ouviu um som, um tipo de batuque muito animado vindo de outra direção, mais ao lado. Sentiu um pouco de curiosidade e, ao mesmo tempo, muito medo. Tudo o que ela queria era sair daquela floresta escura, mas, quando percebeu seus pés já a levavam na direção do som.

Se aproximou o bastante para contar sete ou oito pessoas pulando e dançando em torno de algo muito luminoso, que deveria ser de uma fogueira. Uma coisa muito quente a invadiu, ela se sentiu leve e muito atraída para mais perto daquele ritual. Mais uma vez sem perceber, já estava há poucos metros e pode ver que todos eram mulheres e vestiam roupas sensuais e esdrúxulas. Elas dançavam num ritmo muito frenético e pareciam estar em transe. Não viu ninguém batucando a música e sentiu uma estranha energia, algo como... MAGIA! Hellen reparou nas expressões sinistramente felizes e sentiu muito medo de ser descoberta ali.

De repente, a dança parou e todas gargalharam muito alto, abrindo a roda num semi-círculo e mostrando o que havia no centro: uma moça nua, que também aparentava estar em transe. Nesse momento, percebeu que todas elas carregavam facas nas mãos e que havia, perto da fogueira, uma grande haste de madeira, em formato de cruz. Só uma palavra veio à sua mente: Sacrifício!

Sentiu uma espécie de náusea e por pouco não desmaiou. Pensou em chamar a polícia, em tentar salvar a garota, mas só conseguiu correr muito. Lágrimas grossas saíam de seus olhos e ela nem percebeu que ia na direção errada... Já tinha corrido muito quando percebeu que estava perdida no coração da floresta. Olhou em volta e só viu escuridão... De repente, começou a ouvir o batuque novamente, mas dessa vez sentiu que estava sendo seguida.