Dentro de Casa

26 dezembro, 2010
Capítulo V – A missão

- Preciso te entregar isso...

- Me entregar? Você me conhece então, querida?

- Sim... Mamãe! E eu sei há muito tempo que você mora aqui

Na outra extremidade do jardim, a irmã, mantinha os olhos grudados nas duas, como quem assiste a um grande espetáculo.

- E sabe o que mais? - A voz de Nana se torna levemente irritada - Eu não preciso de você, não preciso que cuide de mim, apenas preciso te entregar isto. - E colocou rispidamente a caixa entre as mãos da mãe, que perdera a serenidade do outro momento e se mostrava surpresa e emocionada.

Nana, girou o corpo e começou a andar rapidamente em direção as cerejeiras, com a esperança de que a irmã, ainda a esperasse ali.

Abraçou a única pessoa que te dera apoio por toda a sua vida, sua irmã querida, e as duas foram caminhando de mãos dadas para longe daquele lugar.
Quinto e PEnúltimo capítulo da minha parceria com a Tati.
Está quase chegando à resolução dessa 'mininovela', rs! Esse certamente é o maior texto que já fiz...

A árvore de Natal na casa de Cristo

25 dezembro, 2010
(Dostoiévski)

Havia num porão uma criança, um garotinho de seis anos de idade, ou menos ainda. Esse garotinho despertou certa manhã no porão úmido e frio. Tiritava, envolto nos seus pobres andrajos. Seu hálito formava, ao se exalar, uma espécie de vapor branco, e ele, sentado num canto em cima de um baú, por desfastio, ocupava-se em soprar esse vapor da boca, pelo prazer de vê-lo se esvolar. Mas bem que gostaria de comer alguma coisa. Diversas vezes, durante a manhã, tinha se aproximado do catre, onde num colchão de palha, chato como um pastelão, com um saco sob a cabeça à guisa de almofada, jazia a mãe enferma. Como se encontrava ela nesse lugar? Provavelmente tinha vindo de outra cidade e subitamente caíra doente. A patroa que alugava o porão tinha sido presa na antevéspera pela polícia; os locatários tinham se dispersado para se aproveitarem também da festa, e o único tapeceiro que tinha ficado cozinhava a bebedeira há dois dias: esse nem mesmo tinha esperado pela festa. No outro canto do quarto gemia uma velha octogenária, reumática, que outrora tinha sido babá e que morria agora sozinha, soltando suspiros, queixas e imprecações contra o garoto, de maneira que ele tinha medo de se aproximar da velha. No corredor ele tinha encontrado alguma coisa para beber, mas nem a menor migalha para comer, e mais de dez vezes tinha ido para junto da mãe para despertá-la. Por fim, a obscuridade lhe causou uma espécie de angústia: há muito tempo tinha caído a noite e ninguém acendia o fogo. Tendo apalpado o rosto de sua mãe, admirou-se muito: ela não se mexia mais e estava tão fria como as paredes. "Faz muito frio aqui", refletia ele, com a mão pousada inconscientemente no ombro da morta; depois, ao cabo de um instante, soprou os dedos para esquentá-los, pegou o seu gorrinho abandonado no leito e, sem fazer ruído, saiu do cômodo, tateando. Por sua vontade, teria saído mais cedo, se não tivesse medo de encontrar, no alto da escada, um canzarrão que latira o dia todo, nas soleiras das casas vizinhas. Mas o cão não se encontrava alí, e o menino já ganhava a rua.

Senhor! que grande cidade! Nunca tinha visto nada parecido, De lá, de onde vinha, era tão negra a noite! Uma única lanterna para iluminar toda a rua. As casinhas de madeira são baixas e fechadas por trás dos postigos; desde o cair da noite, não se encontra mais ninguém fora, toda gente permanece bem enfunada em casa, e só os cães,às centenas e aos milhares,uivam, latem, durante a noite. Mas, em compensação, lá era tão quente; davam-lhe de comer... ao passo que ali... Meu Deus! se ele ao menos tivesse alguma coisa para comer! E que desordem, que grande algazarra ali, que claridade, quanta gente, cavalos, carruagens... e o frio, ah! este frio! O nevoeiro gela em filamentos nas ventas dos cavalos que galopam; através da neve friável o ferro dos cascos tine contra a calçada;toda gente se apressa e se acotovela, e, meu Deus! como gostaria de comer qualquer coisa, e como de repente seus dedinhos lhe doem! Um agente de policia passa ao lado da criança e se volta, para fingir que não vê.

Eis uma rua ainda: como é larga! Esmaga-lo-ão ali, seguramente; como todo mundo grita, vai, vem e corre, e como está claro, como é claro! Que é aquilo ali? Ah! uma grande vidraça, e atrás dessa vidraça um quarto, com uma árvore que sobe até o teto; é um pinheiro, uma árvore de Natal onde há muitas luzes, muitos objetos pequenos, frutas douradas, e em torno bonecas e cavalinhos. No quarto há crianças que correm; estão bem vestidas e muito limpas, riem e brincam, comem e bebem alguma coisa. Eis ali uma menina que se pôs a dançar com um rapazinho. Que bonita menina! Ouve-se música através da vidraça. A criança olha, surpresa; logo sorri, enquanto os dedos dos seus pobres pezinhos doem e os das mãos se tornaram tão roxos, que não podem se dobrar nem mesmo se mover. De repente o menino se lembrou de que seus dedos doem muito; põe-se a chorar, corre para mais longe, e eis que, através de uma vidraça, avista ainda um quarto, e neste outra árvore, mas sobre as mesas há bolos de todas as qualidades, bolos de amêndoa, vermelhos, amarelos, e eis sentadas quatro formosas damas que distribuem bolos a todos os que se apresentem. A cada instante, a porta se abre para um senhor que entra. Na ponta dos pés, o menino se aproximou, abriu a porta e bruscamente entrou. Hu! com que gritos e gestos o repeliram! Uma senhora se aproximou logo, meteu-lhe furtivamente uma moeda na mão, abrindo-lhe ela mesma a porta da rua. Como ele teve medo! Mas a moeda rolou pelos degraus com um tilintar sonoro: ele não tinha podido fechar os dedinhos para segurá-la. O menino apertou o passo para ir mais longe - nem ele mesmo sabe aonde. Tem vontade de chorar; mas dessa vez tem medo e corre. Corre soprando os dedos. Uma angústia o domina, por se sentir tão só e abandonado, quando, de repente: Senhor! Que poderá ser ainda? Uma multidão que se detém, que olha com curiosidade. Em uma janela, através da vidraça, há três grandes bonecos vestidos com roupas vermelhas e verdes e que parecem vivos! Um velho sentado parece tocar violino, dois outros estão em pé junto de e tocam violinos menores, e todos maneiam em cadência as delicadas cabeças, olham uns para os outros, enquanto seus lábios se mexem; falam, devem falar - de verdade - e, se não se ouve nada, é por causa da vidraça. O menino julgou, a princípio, que eram pessoas vivas, e, quando finalmente compreendeu que eram bonecos, pôs-se de súbito a rir. Nunca tinha visto bonecos assim, nem mesmo suspeitava que existissem! Certamente, desejaria chorar, mas era tão cômico, tão engraçado ver esses bonecos! De repente pareceu-lhe que alguém o puxava por trás. Um moleque grande, malvado, que estava ao lado dele, deu-lhe de repente um tapa na cabeça, derrubou o seu gorrinho e passou-lhe uma rasteira. O menino rolou pelo chão, algumas pessoas se puseram a gritar: aterrorizado, ele se levantou para fugir depressa e correu com quantas pernas tinha, sem saber para onde. Atravessou o portão de uma cocheira, penetrou num pátio e sentou-se atrás de um monte de lenha. "Aqui, pelo menos", refletiu ele, "não me acharão: está muito escuro."

Sentou-se e encolheu-se, sem poder retomar fôlego, de tanto medo, e bruscamente, pois foi muito rápido, sentiu um grande bem-estar, as mãos e os pés tinham deixado de doer, e sentia calor, muito calor, como ao pé de uma estufa. Subitamente se mexeu: um pouco mais e ia dormir! Como seria bom dormir nesse lugar! "mais um instante e irei ver outra vez os bonecos", pensou o menino, que sorriu à sua lembrança: "Podia jurar que eram vivos!"... E de repente pareceu-lhe que sua mãe lhe cantava uma canção. "Mamãe, vou dormir; ah! como é bom dormir aqui!"

- Venha comigo, vamos ver a árvore de Natal, meu menino - murmurou repentinamente uma voz cheia de doçura.

Ele ainda pensava que era a mãe, mas não, não era ela. Quem então acabava de chamá-lo? Não vê quem, mas alguém está inclinado sobre ele e o abraça no escuro, estende-lhe os braços e... logo... Que claridade! A maravilhosa árvore de Natal! E agora não é um pinheiro, nunca tinha visto árvores semelhantes! Onde se encontra então nesse momento? Tudo brilha, tudo resplandece, e em torno, por toda parte, bonecos - mas não, são meninos e meninas, só que muito luminosos! Todos o cercam, como nas brincadeiras de roda, abraçam-no em seu vôo, tomam-no, levam-no com eles, e ele mesmo voa e vê: distingue sua mãe e lhe sorrir com ar feliz.

- Mamãe! mamãe! Como é bom aqui, mamãe! - exclama a criança. De novo abraça seus companheiros, e gostaria de lhes contar bem depressa a história dos bonecos da vidraça... - Quem são vocês então, meninos? E vocês, meninas, quem são? - pergunta ele, sorrindo-lhes e mandando-lhes beijos.

- Isto... é a árvore de Natal de Cristo - respondem-lhe. - Todos os anos, neste dia, há, na casa de Cristo, uma árvore de Natal, para os meninos que não tiveram sua árvore na terra...

E soube assim que todos aqueles meninos e meninas tinham sido outrora crianças como ele, mas alguns tinham morrido, gelados nos cestos, onde tinham sido abandonados nos degraus das escadas dos palácios de Petersburgo; outros tinham morrido junto às amas, em algum dispensário finlandês; uns sobre o seio exaurido de suas mães, no tempo em que grassava, cruel, a fome de Samara; outros, ainda, sufocados pelo ar mefítico de um vagão de terceira classe. Mas todos estão ali nesse momento, todos são agora como anjos, todos juntos a Cristo, e Ele, no meio das crianças, estende as mãos para abençoá-las e às pobres mães... E as mães dessas crianças estão ali, todas, num lugar separado, e choram; cada uma reconhece seu filhinho ou filhinha que acorrem voando para elas, abraçam-nas, e com suas mãozinhas enxugam-lhes as lágrimas, recomendando-lhes que não chorem mais, que eles estão muito bem ali...

E nesse lugar, pela manhã, os porteiros descobriram o cadaverzinho de uma criança gelada junto de um monte de lenha. Procurou-se a mãe... Estava morta um pouco adiante; os dois se encontraram no céu, junto ao bom Deus.
Eu sei que é um texto enorme e tenho certeza de que pouca gente leu... Mas esse conto melancólico meio que traduz o meu espírito de natal. É estranho, nessas épocas eu sempre lembro dele, dessas historinhas de fantasia, magia e crianças pobres. Não é muito recente pra mim a idéia de gostar do natal, mas tenho até aprendido a apreciar esse 'clima meio esquisito', a achar bonito e especial... Enfim, FELIZ NATAL! Agradeço muito pela companhia de vocês durante esse ano... ^-^

Dentro de Casa

19 dezembro, 2010
Capítulo IV – O Encontro

Nana permaneceu deitada sobre a grama durante todo o resto da tarde, acabou adormecendo ali, misturando-se dentro de si suas ânsias e receios.
Na viração do dia despertou com as mãos de uma senhora a afagar-lhe os cachos dos cabelos. Seu rosto tranqüilo e seu sorriso suave transmitiam-lhe uma paz inumana.

- Olá, minha querida, perdoe-me o atraso de tantos anos. Deixe-me cuidar de você. O que há na caixinha amarela que você não larga de nenhum jeito hein querida?

Nana, ainda meio sonolenta sem se lembrar muito bem o que estava fazendo ali, sorriu com suavidade: - B-bem, é um segredo...

- Eu tenho muitos segredos para lhe contar, amarelo é minha cor preferida.

Nana ficou sem palavras, se sentia tímida sendo abordada assim tão espontaneamente. Levantou-se, arrumou o cabelo e a saia devagar, aprumou-se. Pegou a caixinha com certa hesitação e estendeu-a para a mulher.

Dentro de Casa

12 dezembro, 2010
Capítulo III – A cúmplice


Logo identificou a silhueta familiar vindo em sua direção. Sorriu por dentro, aliviada, enquanto sua irmã - cúmplice se sentava ao seu lado:

- Está tudo aí dentro?
- Sim está! Mas não sei se devo, sabe?

-Bem, é agora ou nunca... Deixe-me ver? - Abriu um pouco a tampa e espreitou pela fresta - Acho mesmo que seria importante fazermos hoje - continuou - Você não está cansada de esperar?

- Acho que sim, estou cansada. Mas isso não justifica minha decisão - talvez, eu devesse esperar um pouco mais - Mirou as águas do lago mais uma vez, como quem observa uma cachoeira de imagens, lembranças.

A irmã entortou o lábio em sinal de impaciência. Conhecia Nana muito bem para saber de sua teimosia irrefutável. Além do mais, percebeu que ela estava prestes a chorar. Pensou se deveria puxar assunto sobre as cerejeiras lindas daquele ano, ou se deveria ir embora. Levantou-se em silêncio, olhou as nuvens por um instante curto e por fim falou: - Você deve fazer isso sozinha, se precisar de mim, sabe onde me encontrar, Baby... - E caminhou rumo à cerejeira que encantava seus olhos, a puxando pra si.

-Mas, devo te lembrar - quase sussurrando - que esta é sua melhor chance. Dito isto, sumiu entre as árvores.

Nana baixou os olhos mirando a caixinha amarela. De fato, assumia pra si mesma, não sabia o que fazer. Ali sozinha, sentiu-se desamparada e com um enorme peso nas costas. Deixou-se cair no gramado e chorou todas as lágrimas de medo que tinha.

Parceria entre eu e Tati. Continua ainda... Desculpem minha ausência nos blogs que costumo comentar e agradeço a quem me acompanha mesmo assim. Grande beijo! ^^

Dentro de Casa

05 dezembro, 2010
Capítulo II – A caixa


A vida tão inundada de cores e sabores parecia que estava a lhe pregar peças. Já se passaram mais de 15 anos e ela ainda revive as mesmas cenas. Sem querer, ela começa a sonhar acordada e as lembranças tomam conta de sua mente e de seu coração. Uma tristeza pequena e persistente passa a coexistir naquele banquinho simples. Recortada pelas frestas do assento, a caixinha amarela que trouxera repousa tranquilamente na grama como que à espera de seu destino.

Lança os olhos para longe das águas do lago, mantendo as pupilas encharcadas que insistem em vazar suas sensibilidades e emoções internas. Encara a caixinha amarela, como quem olha para um espelho – se vê. Riu-se da ironia, pois era ela a senhora do destino naquele dia.

Talvez não fosse tão certa quanto ao destino que a caixinha merecia. Olhou mais uma vez para os marrecos e sorriu.
Haveria de ter outras alternativas melhores do que as primeiras pensadas, talvez ela devesse esperar.

Um barulho macio de passos interrompeu as divagações e lágrimas, Nana se virou assustada, limpando rápido o rosto molhado. Pegou a caixinha instintivamente e apertou contra o peito, sentiu vontade de correr.
Segundo capítulo da minha parceria divertida com a Tati.
Beijos a todos e obrigada pelos coments, que estão cada vez melhores. Adoro a amizade das pessoas daqui, fico realmente feliz!