Coração Lavado

02 fevereiro, 2010


Chovia e cada gota quase doía ao cair sobre a pele de Ângela. Pareciam agulhas frias a fim de penetrar a pele quente. E ela se concentrava nessa quase dor tentando esquecer as feridas abertas em sua auto-estima. Tentava fingir como criança que a água levaria embora seu fracasso, suas dívidas e se esforçava por senti-los escorrer com destino ao bueiro mais profundo que pudesse existir. E mais difícil: tentava creditar nisso.

Pessoas passavam por ela na calçada, se esquivando dos pingos e estranhando sua imobilidade. A roupa transparente atraía alguns olhares e sua bolsa se encharcava, caída para fora do meio-fio e faltando pouco para ser levada pela pequena correnteza que se formava. Mas, como se estivesse surda-muda e cega, ela se mantinha absorvida apenas nas sensações frias de seu corpo. Algo quente subiu seu rosto e em seguida escorreu pelos olhos, trazendo logo um gosto salgado aos lábios. Depois vieram os soluços, as caretas e os gritos mudos.

A chuva foi parando devagar. Ângela resgatou a bolsa e fez o que pode pra disfarçar as transparências. De coração e alma lavados, ela voltou para casa tranquilamente e muito atenta ao que restou da correnteza pluvial. Era bom ver seus problemas sendo engolidos pelas bocas de lobo.